Nutrição – Orientação clínica

Cristina C. S. Salvioni

Vice Presidente da ABrELA


Doutoranda e Mestra em Neurociências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Nutricionista responsável pelo atendimento ambulatorial no Setor de Investigação em Doenças Neuromusculares da UNIFESP.
Nutricionista na Neuroqualis – Clínica, Ensino e Pesquisa em Saúde e Educação Ltda.


As alterações nutricionais e a deficiente ingestão alimentar desenvolve-se com a progressão da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), tendo como consequências perda de peso e alteração da composição corporal. As causas da depleção nutricional são múltiplas e incluem: ingestão inadequada de nutrientes principalmente pelo quadro de disfagia, inapetência, dificuldade de auto-alimentação, depressão e hipermetabolismo. Esse último leva a um aumento no gasto energético de repouso o que contribui com o quadro. As alterações de composição corporal têm implicações diretas no tempo de evolução da doença. Há evidências que associam a perda de peso, redução do índice de massa corporal (IMC) e de massa muscular com a menor sobrevida em pacientes com ELA. Em estudo recente, postulou-se que a diminuição de 10% do peso corporal aumentaria em 45% o risco de óbito nessa população. Para o IMC a redução de 1 kg/m2 estaria associado a um aumento de 20% no risco.

Desse modo, a avaliação nutricional regular e sistemática somada à intervenção nutricional são componentes indispensáveis para o tratamento do paciente com ELA. A periodicidade e regularidade do acompanhamento fazem parte desse tratamento e não deve ocorrer em período superior a três meses. A avaliação do estado nutricional, além de permitir a identificação precoce de distúrbios nutricionais, cria a possibilidade de intervenção adequada, de forma a auxiliar na recuperação e/ou manutenção do indivíduo.

A avaliação do estado nutricional é item fundamental para a prescrição dietética. O profissional nutricionista deve atentar-se à história clínica, alimentar, avaliação bioquímica e análise de medidas antropométricas. Essa última, com ênfase na medida de circunferência do braço e dobra cutânea tricipital aliadas à análise da circunferência muscular do braço, área muscular do braço e área gordurosa do braço, todas elas guardam estreita relação com a evolução da doença e, por isso, necessitam de maior atenção. Ainda, há de se considerar a porcentagem de perda de peso e o IMC como parâmetros do estado nutricional. Toda a avaliação antropométrica deve ser realizada a cada consulta.

As características gerais da dieta orientada devem incluir: maior fracionamento, evitando períodos de jejum prolongado, dieta hipercalórica, hiperproteica, normo a hiperlipídica, rica em fibras, com adequada oferta hídrica e de consistência ideal frente a disfagia apresentada.

As necessidades protéicas na ELA estão aumentadas e, por isso, a ingestão de alimentos fonte de proteína de alto valor biológico deve ser priorizada, contemplando cerca de 70% da ingestão total de proteína do dia. Vale advertir que o uso de módulo de proteínas com finalidades esportivas é contra-indicado no tratamento nutricional da ELA. Os aminoácidos de cadeia ramificada, usualmente presente nesses produtos, podem acelerar a evolução da doença provavelmente devido a estes serem precursores do glutamato.

A ingestão dietética de gordura na ELA merece destaque. Há evidências de que a dislipidemia exerce um fator protetor para a evolução da doença em mais de 12 meses na sobrevida destes doentes. Desse modo, tratamentos sugeridos no controle dislipidêmico, incluindo medidas dietéticas, podem interferir negativamente na progressão da doença.

Quanto aos micronutrientes, há um interesse crescente no papel destes na patogênese e progressão da ELA. O consumo de alimentos ricos em antioxidantes e carotenóides parece associar-se positivamente com a evolução da doença demonstrando melhora da função motora e respiratória.

Com a evolução da doença, a progressiva disfunção da musculatura orofaringolaringeal, marca os avanços no grau de disfagia. A perda de peso corpóreo, associado às alterações de deglutição evidencia a necessidade de cuidado nutricional precoce e específico a cada estadio da doença. A dieta orientada deve ser instituída para facilitar a deglutição, otimizar a ingestão nutricional e diminuir o risco de aspiração. Com esse quadro instalado, não é incomum os indivíduos apresentarem desnutrição ou perda de peso, nesse caso, a prescrição de produto industrializado energético - proteico, acrescido à alimentação habitual, com o objetivo de atingir as recomendações nutricionais individuais contribui para o manejo nutricional. Vale ressaltar, que o suporte nutricional adotado precocemente pode prevenir a depleção dos estoques corpóreos, em especial de gordura corporal, amenizando, assim a perda de massa magra inerente à doença.

O momento correto de indicação da via alternativa de alimentação pode garantir o adequado aporte nutricional colaborando para a sobrevida e qualidade de vida desses doentes. O acompanhamento clínico pautado nos indicadores da avaliação multidisciplinar que inclui: avaliação nutricional, com ênfase na redução de 10% do peso corporal nos últimos três meses com ou sem presença de disfagia ou avaliação da função respiratória com destaque para a medida de capacidade vital forçada em torno dos 50% do predito são os critérios de indicação do procedimento. Na ELA, a indicação de gastrostomia endoscópica percutânea é soberana entre as demais formas de acesso ao trato digestório com finalidade de nutrição. Representa uma opção no tratamento sintomático, proporcionando nutrição adequada, estabilização da perda de peso, alternativa para a administração de líquidos e medicamentos, permitindo ainda a alimentação por via oral, quando possível. A terapia nutricional enteral é dirigida mantendo as mesmas características das orientações dietéticas realizadas por via oral: dieta polimérica, hipercalórica, hiperproteica de normo a hiperlipidica com fibras. Há estudos demonstrando que dietas ricas em gordura poderiam trazer benefícios no tratamento desses pacientes. É importante observar que dietas hipergordurosas podem trazer efeitos adversos e que a orientação tanto no aumento de calorias quanto de gorduras devem ser verificadas individualmente e evoluídas de acordo com a tolerância de cada paciente.

Por fim, ressalta-se a importância da necessidade de intervenção nutricional precoce e sistemática para a manutenção do estado nutricional, tendo em vista que o cuidado nutricional adequado pode mudar o prognóstico do paciente com ELA.

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