Depoimento de Carlos Sebastião da Silva

Um mês sem ele por conta dELA.

ELA chegou como quem não quer nada.

ELA – Esclerose Lateral Amiotrófica – ELA ou Esclerose Lateral Amiotrófica  é uma doença que afeta o sistema nervoso de forma degenerativa e progressiva e acarreta em paralisia motora irreversível. Pacientes com a doença sofrem paralisia gradual e morte precoce como resultado da perda de capacidades cruciais, como falar, movimentar, engolir e até mesmo respirar.

Não há cura para a Esclerose Lateral Amiotrófica. Com o tempo, as pessoas com doença perdem progressivamente a capacidade funcional e de cuidar de si mesmas. O óbito, em geral, ocorre entre três e cinco anos após o diagnóstico. Cerca de 25% dos pacientes sobrevivem por mais de cinco anos depois do diagnóstico.

ELA se instalou ainda na década de 80, mais precisamente em 1987.

Ele com 38 anos de idade. Ele que gostava muito de sair, passear aos finais de semana, conhecer novos lugares. ELA começou a impedir. Primeiro afetou as pernas, sem mobilidade, mesmo com fisioterapia, a cadeira de rodas chegou.

Dos membros superiores apenas braço e mão direita foram mais afetados. Uma vantagem, ele era canhoto e ainda cuidava bastante de si.

ELA fez ele se encontrar mais de perto com Cristo através da Igreja Assembleia de Deus, onde passou a congregar. ELA não nos tirou da Igreja Católica Apostólica Romana, e assim ele e nós mantivemos nossa fé em quem nos salva.

Recentes estudos de 2014 e 2015 ainda informam bem pouco sobre a doença. Imagina lidar com o novo nas décadas de 90, anos 2000...

Os anos foram seguindo. A média se sobrevida é curta... mas nele ELA se estabilizou... fazia seu tratamento, era rigoroso com a medicação. Sua alimentação bastante saudável... A esposa prezava muito isto.

Nestes anos menos tensos, permanecia firme em sua fé... ainda realizava várias atividades possíveis... em outras precisava de nosso auxílio.

A pressão alta veio junto, mas conseguiu adequar medicação e ficava controlada.

O atrofiamento tomando conta do seu corpo. Dificuldade maior para se locomover da cama à cadeira. Dificuldade na fala. Tudo próprio dELA.

Em 2015 outro diagnóstico. Tumor maligno na Próstata... Com a notícia ele não mostrou abalo no consultório. Nós familiares quase piramos.

Não poderia fazer cirurgia de retirada, devido à ELA. Vamos para 38 sessões de radioterapia. Todos dias ICESP ao lado do Hospital da Clínicas... Mas tinha o transporte da Prefeitura. (ora não tinha, ora vinha veículo não adaptado). Não concluiu parou na 9ª sessão... ELA não ajudava a controlar a bexiga. Porém houve redução do quadro, e passou a avaliação semestral...

Mais sintomas dELA, mais dificuldade de colocá-lo no carro para consultas eventuais de Neurologia, Cardiologia...

Em 2017 houve a opção de cama hospitalar para melhor acomodação, altura, etc... Ele só dormia, relutou até quanto pode... preferia ficar na cadeira, ainda que quase não segurando mais o tronco.

Chegamos em 2018 mais debilitado, fala quase que incompreensível. Mesmo com contrariedades houve a opção de ter uma responsável direta por ele. Tornei-me curadora provisória e depois definitiva, havia crítica do próprio médico, dizendo que ele tinha consciência... mas já não escrevia... não falava de forma que algum terceiro compreendesse... e como só sorria, qualquer manifestação poderia não ser a verdadeira vontade...

Primeiro final de semana de 2019, ELA começou a mostrar a que veio, o Sr. Carlos representante dos 25% que ultrapassam os 5 anos de sobrevivência, não sentou mais... tornou-se paciente acamado.

A luta ia aumentar como de fato aumentou. Luta dele, luta nossa.                 

Conseguimos a equipe do EMAD – Equipe Multiprofissional de Atenção Domiciliar (SUS). Orientações, cuidados, exames, mudanças na alimentação, pois começou a dificuldade de engolir, poderia engasgar, aspirar água ou alimento... O pulmão começou a dar sinais... mesmo com inalação foi fraquejando. Próprio dELA e também de pacientes acamados.

30 de junho de 2019 – internação – quadro Pneumonia

01 de julho de 2019 – autorizar entubação – a partir dali dias ruins, dias bons. Boletins médicos – Semi intensiva – Sonda alimentação – respirador.

10 de julho de 2019 – Autorização para traqueostomia

22 de julho de 2019 – Primeira reunião com Equipe de cuidados paliativos. ELA por não ter cura, já nos indicou que não teria nenhuma reversão. Antibióticos já sem efeito e outras complicações. Recebemos orientações e já começamos a entender.
Porém teve melhoras, reagindo, foi para um respirador chamado CPAP ou BIPAP, que pode ser usado em casa.

29 de julho de 2019 – internação na enfermaria.

01 de agosto de 2019 – Segunda reunião com Equipe de cuidados paliativos. Seu quadro estável, agora aguardar chegar equipamentos para alta e cuidados em domicílio. Uma vez que não tínhamos condições de pagar uma clínica indicada para o tipo de cuidados e vaga em hospital de retaguarda bem difícil.
Enquanto aguardávamos, veio as escaras. Ferida na região do cóccix, nos calcanhares... mesmo com as trocas de posição se tornaram inevitáveis.

04 de setembro de 2019 – chegou último aparelho

05 de setembro de 2019 – Alta hospitalar... Um aparato para descer equipamentos e paciente... 2 macas no elevador...
Na despedida olhares dos profissionais de que ele iria muito em breve, acenou e sorriu pra todos.

Em casa com ajuda da Equipe EMAD e da cuidadora que ele contratou, fomos nos virando. Medicar, aspirar, fazer curativos, comprar o que o SUS não consegue fornecer.

E dia após dia ELA ia se fortalecendo, ele fisicamente enfraquecendo e nós quase enlouquecendo.

Aprendemos sobre cuidados paliativos, ortotanásia, sobre a própria ELA. Aprendemos com ele a não reclamar (apesar de ainda o fazermos, o resiliente era ele). Mesmo acamado, com todos aparelhos conectados, ainda SORRIA... mantinha sua fé.

Início de 2020 mais piora, internação breve para tratar anemia.

Um dia piorava, no outro estável. Muitas dores... mais medicamento.

O corpo já estava todo atrofiado, braços já sem movimento... A boca não mais abriu voluntariamente em fevereiro.

As faltas de energia nos tiravam do eixo... Nobreak não aguentava, bombear oxigênio para manter...

Ainda falei para ele sobre a pandemia, ele assistia noticiários, mas nestes últimos meses, devido às fortes dores quase não se mantinha acordado. Disse que não haveria mais visitas, porém que mandavam lembranças.

E assim chegou 31 de março de 2020. Uma gestação de 9 meses desde a internação em 30 de junho de 2019, quando ELA de fato trouxe o cronômetro do fim.

Ele abriu a boca e expirou. Foi sereno e tranquilo, despedindo-se estando apenas com sua companheira de jornada com 46 anos de matrimônio.

ELA é devastadora, só não atinge a consciência.

ELA não o venceu, ELA o fez ser um homem de fé, que eu sei servirá de exemplo pra muitos.

Carlos Sebastião da Silva – 1987 – 38 anos – 33 com ELA. 70 anos de idade.

Na casa das 4 mulheres, idade que tínhamos e que agora temos.
Nova - Esposa 1987 – 39 anos / 2020 – 72 anos
Janaina 1987 – 13 anos / 2020 – 45 anos
Jacimara 1987 – 7 anos / 2020 – 39 anos
Josiane 1987 – 1 ano / 2020 – 33 anos

 

Guarulhos, 01/05/2020. 

Como ajudar