Diagnóstico Diferencial

Marco Antonio Chieia

Diretor científico da ABrELA


Médico neurologista do ambulatório de Doença do Neurônio Motor do Setor de Investigação em Doenças Neuromusculares da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).


ELA / DNM deve ser diferenciada de outras condições clínicas adquiridas, que apresentam orientações clínicas e terapêuticas totalmente distintas.

Doenças que mais causam dilema diagnóstico com ELA


COM SINAIS DE NMS


  • AVC com hemiparesia espástica
  • Deficiência de vitamina B12
  • Encefalomielopatia paraneoplásica
  • Esclerose Múltipla
  • Mielopatia associada à endocrinopatia
    • Hiperparatiroidismo
  • Mielopatia associada ao HTLV-1
  • Paraparesia espástica hereditária
    • Herança Autossômica Dominante:
      Forma mais comum (19 loci gênicos descritos)
    • Herança Autossômica Recessiva e Recessiva Ligada ao X:
      Mais raras
    • Classificação:
      Pura: paraparesia espástica em MMII
      Complicada: Associação com outras comorbidades neurológicas
  • Paraparesia espástica tóxica: causada por toxinas alimentares
    • Latirismo (devido a alimento contaminado com β oxalil-L-aminoácido)
    • Konzo (devido à toxicidade pela mandioca brava)

COM COMBINAÇÃO DE NMS e NMI


  • Adrenomieloneuropatia
  • Doença de corpo de poliglucosan do adulto
  • Espondilose cervical com mielopatia e radiculopatia
  • Infecção
    • HIV (AIDS)
    • Doença de Lyme
    • Sífilis
  • Neurofibromatose Central
  • Neuropatia tóxica por Organofosfato
  • Siringomielia

COM SINAIS DE NMI


  • Outras neuronopatias motoras
    • Atrofia muscular espinhal (AME) do adulto
    • Síndrome Pós-Poliomielite
  • Radiculopatia compressiva: cervical; lombossacral
  • Entidades com fasciculação
    • Fasciculações benignas
    • Doenças da raiz motora, do plexo e nervo periférico
  • Mononeuropatia
    • Compressão
  • Mononeuropatia múltipla
    • Neuropatia hereditária sensível à pressão
    • Vasculite
  • Mielopatia associada à endocrinopatia
    • Hiperparatiroidismo
  • Neuropatia motora multifocal com ou sem bloqueio de condução
  • Plexopatia
    • Amiotrofia Diabética
    • Neuropatia do plexo braquial
    • Síndrome do desfiladeiro torácico
    • Tumor: linfoma
  • Polineuropatia
    • Neuropatia desmielinizante inflamatória crônica, variante motora
    • Neuropatia sensitivo-motora hereditária (Charcot-Marie-Tooth)
    • Polineuropatia endócrina: Diabetes
    • Polineuropatia infecciosa: Lyme, HIV
    • Polineuropatia tóxica: metais pesados
  • Defeito da junção neuromuscular
    • Miastenia gravis
    • Síndrome Miastênica
  • Miopatia
    • Miopatia Distal
    • Miosite a corpo de Inclusão
    • Polimiosite

COM COMBINAÇÃO DE NMS e NMI


  • Adrenomieloneuropatia
  • Doença de corpo de poliglucosan do adulto
  • Espondilose cervical com mielopatia e radiculopatia
  • Infecção
    • HIV (AIDS)
    • Doença de Lyme
    • Sífilis
  • Neurofibromatose Central
  • Neuropatia tóxica por Organofosfato
  • Siringomielia

COM SINAIS BULBARES


  • Lesão cerebral estrutural
    • AVC
    • Mal formação da transição crânio-vertebral
    • Tumor
  • Miastenia gravis
  • Paralisia pseudo-bulbar
  • Siringobulbia

Outras doenças que devem ser incluídas no diagnóstico diferencial de ELA/DNM


  • Doença Celíaca
  • Doença de Machado - Joseph

Merecem destaques especiais, devido as suas particularidades clínicas e terapêuticas totalmente distintas as seguintes doenças:

 

PARAPARESIA ESPÁSTICA HEREDITÁRIA:

A paraparesia espástica hereditária representa uma grande família de doenças, com enorme variabilidade fenotípica, que têm em comum no quadro clínico espasticidade progressiva nos membros, de causa genética. Ela pode ser pura, com início ou na infância, ou na adolescência, ou mesmo mais tardiamente. Já a forma complicada está relacionada com associação com outras comorbidades neurológicas, incluindo-se neuropatia periférica, amiotrofia distal, alteração visual, surdez, retardo mental, transtorno de movimento e epilepsia. Vários tipos já têm formas de herança bem definida e genes e respectivas proteínas identificados.

 

DOENÇA DE KENNEDY:

Os principais fatores que a diferenciam da ELA são a quase total exclusividade do envolvimento masculino, a progressão lenta dos sintomas, ausência de sinais do neurônio motor superior, proeminência de fasciculações em musculatura bulbar e sinais de insensibilidade androgênica. O fenômeno conhecido como ativação aleatória do cromossomo X torna possível encontramos mulheres heterozigotas oligossintomáticas. Aproximadamente um em 25 pacientes inicialmente diagnosticados como ELA pode ter a doença de Kennedy. O tratamento da Doença de Kennedy tem sido realizado com inibidor de hormônio da testosterona, com sucesso.

 

NEURONOPATIA MOTORA POR BLOQUEIO DE CONDUÇÃO:

Trata-se de uma enfermidade imunomediada, caracterizada por fraqueza lentamente progressiva, assimétrica, de início, geralmente, nas porções distais dos membros, sendo que 80% dos pacientes apresentam os primeiros sintomas entre 40 e 50 anos. O seu diagnóstico é baseado em estudo eletroneuromiográfico com demonstração da presença do bloqueio de condução motora, fora dos locais usuais de compressão dos nervos, representando a falência da propagação do impulso através do axônio intacto no estudo da condução motora. Constitui cerca de 3,6 % das polineuropatias inflamatórias, com perda motora por agressão de anticorpos contra constituintes da bainha de mielina, de patogenicidade ainda não bem definida, sendo achado comum em biópsias a conformação em “casca de cebola” característica das polineuropatias desmielinizantes inflamatórias crônicas. Em 60% a 80% dos casos estão presentes anticorpos anti GM1 sendo sua dosagem determinada por presença de anticorpos da classe IgM, assim como a elevação de proteínas no Líquido Cefalorraquiano (LCR).

Sendo considerada enfermidade de origem autoimune, o seu tratamento é realizado com administração de Imunoglobulina humana endovenosa na dose de 400mg \kg\ dia por cinco dias, mensalmente, associada à infusão de medicação imunossupressora, via endovenosa, mensalmente. As sessões mensais devem ser estabelecidas em torno de 9 a 12 sessões, sendo descrito o curso natural lento com algumas raras remissões espontâneas.

 

OUTRAS NEUROPATIAS DESMIELINIZANTES IMUNOMEDIADAS:

Podem ser confundidas com as neuronopatias motoras. Entretanto, nestas enfermidades têm envolvimento sensitivo associado. Neuropatias com anticorpos Anti-MAG (glicoproteína associada à mielínica) caracteristicamente apresentam-se com fraqueza muscular distal e com perda sensitiva. Neuropatias com anticorpos anti-sulfatídio e síndrome de GALOP têm envolvimento sensitivo puro. Síndrome de POEMS (polineuropatia, organomegalia, proteína M e lesões na pele) pode produzir fraqueza muscular incapacitante, acompanhada por perda sensitiva proeminente e sinais sistêmicos.

 

NEURONOPATIAS PARANEOPLÁSICAS:

Referem-se a um grupo de enfermidades caracterizadas clinicamente por neuropatia motora de evolução subaguda, com fraqueza assimétrica de predomínio dos membros inferiores, relacionadas com um tumor. As principais descrições, embora raras, relacionam-se aos linfomas, como a doença de Hodgkin, que apresenta curso agressivo de predomínio nos MMII, durante a fase de remissão ou irradiação. Por outro lado, podem ter curso lentamente progressivo, com remissão após alguns meses, sendo demonstrada degeneração das células do corno anterior da medula e alguns tractos sensitivos. O envolvimento do neurônio motor inferior tem sido relacionado com síndromes paraneoplásicas com presença de anticorpos anti-Hu associados à encefalomielite, assim como, quadros típicos de ELA, apresentam-se associados ao carcinoma de pequenas células pulmonar (“oat cell”) e carcinoma de rim.

 

SÍNDROME DO NEURÔNIO MOTOR INFERIOR POR IRRADIAÇÃO:

Trata-se de uma síndrome rara de complicação tardia de irradiação da medula espinhal, principalmente na região para-aórtica por tumores testiculares malignos ou linfoma. Aparece cerca de meses a anos após a irradiação, com paraparesia flácida, geralmente assimétrica, com arreflexia e fasciculações. Exame de ressonância magnética da coluna não mostra alterações medulares.

 

DEFICIÊNCIA HEXOSAMINIDASE A e B:

Deficiência de beta hexosaminidase A e B, também chamada de doença de Tay-Sachs e Sandhoff, é um grave distúrbio degenerativo causado pelo acúmulo, nos lisossomos dos neurônios, do gangliosídeo GM2 degradado por esta enzima. Apresenta 03 formas (infantil, juvenil e adulta), sendo variável o início das alterações clínicas, assim como a gravidade que é dependente da atividade residual, de cada indivíduo, para degradação do gangliosídeo O quadro clínico varia entre membros de famílias e inclui degeneração espinocerebelar, doença do neurônio motor e síndromes cerebelares puras. Psicose aparece em 30% dos casos. Há mutação pelo menos em 01 dos 03 genes recessivos, Hex A, Hex B e GM2, que codificam as unidades enzimáticas catalisadoras do gangliosídeo GM2. Doentes adultos com deficiência de hexosaminidase A (Hex A) podem ter manifestações clínicas semelhantes à esclerose lateral amiotrófica (ELA). Mutações no gene da hexosaminidase A (HEX A) são comuns na população judaica Ashkenazi.

A identificação dos genes responsáveis pelas várias formas de neuronopatia, nos recentes anos, tem transformado nosso entendimento para explicação da vulnerabilidade do motoneurônio ao processo de degeneração, abrindo-se portas para propostas terapêuticas. Por exemplo, na AME com mutação no gene SMN, certas medicações que aumentam a expressão do gene SMN2, poderiam proporcionar melhor proteção neuronal.

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