Depoimento de Roseli Fetzner Pucci

Depoimento da paciente Roseli Fetzner Pucci – portadora de ELA

Eu e ELA – Minha lição de vida!

A vida é um lindo presente de Deus e devemos vivê-la com muito amor e alegria!!!

Tenho 53 anos, moro em Montenegro (RS) e sou portadora de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), que é uma doença neurodegenerativa, incapacitante e fatal, que evolui causando atrofia e perda progressiva de força da musculatura dos membros e capacidade respiratória, afetando também a língua, a fala, a deglutição, e em estágio mais avançado, também paralisa a musculatura facial, inclusive pálpebras, porém a capacidade intelectual permanece intacta.

Meus primeiros sintomas da ELA se manifestaram em outubro/2002, com perda de força nos dedos do pé esquerdo. Hoje sou totalmente dependente fisicamente, minha capacidade respiratória espontânea é nula, e para sobreviver necessito de ventilação mecânica 24hs (Vpap III ST-A) através de traqueostomia. Não falo mais, não me movimento mais e me alimento por sonda (gastrostomia), mas conservo a alegria e o bom humor, e o sorriso é o meu cartão de visita, pois apesar de muitas vezes ser um "sorriso meia-boca" devido a paralisia facial, é praticamente o único movimento que ainda preservo, por isso uso e abuso dele...rsrsrs...

Após 3 anos e 6 meses usando máscara para respirar, o aumento da dificuldade respiratória me levou a optar em fazer a traqueostomia em Junho/2010, o que certamente me proporcionou uma melhor qualidade de vida e, quem sabe, alguns anos a mais de vida...

Como conservo somente os movimentos da boca e pálpebras, embora com a musculatura também já bastante comprometida, faço uso de sistemas de comunicação não-verbais.

Durante 3 anos eu escrevi utilizando o Smartnav3, que é um aparelho pequeno, importado, e que colocado ao lado do Laptop, permitia que eu selecionasse as letras e comandos no teclado virtual do Windows XP com pequenos movimentos do polegar, onde uma etiqueta reflexiva era colada e que redirecionava o sinal emitido pelo Smartnav para a tela do computador.

Apesar de ser lento e bastante cansativo, pois escrevia deitada e os movimentos do polegar estavam cada vez mais limitados, eu era persistente, pois poder continuar me comunicando, mesmo depois de ter perdido praticamente todos os movimentos, era uma vitória sobre a ELA.

Mas o meu polegar direito, com o qual escrevia, começou a se rebelar e pedir aposentadoria...hehehe.

Em Outubro/2009 sofri um abalo emocional muito forte e de um dia para o outro perdi os poucos movimentos que ainda restavam no polegar (coincidência ou não, continuo acreditando que o emocional é um dos causadores da ELA).

Com certeza, de todas as perdas e limitações que a ELA havia causado até então, essa foi a mais difícil, pois ainda tinha tanta coisa para dizer (escrever).

Além disso, comecei o ano de 2010 lutando bravamente para superar e enfrentar com serenidade mais uma etapa da ELA, que foi o início da perda dos movimentos faciais, inclusive das pálpebras, o que prometia ser uma batalha dolorosa. Mas até hoje nada tirou a minha alegria e vontade de viver, pois a minha fé me fortalece e sempre encontro uma janela aberta quando uma porta se fecha. Em Dezembro/2009 ganhei o LM BRAIN, que é um programa desenvolvido para funcionar como um dispositivo de ajuda à comunicação de portadores de deficiência motora grave.

Ele tem um sensor que capta pequenos movimentos e que deve ser fixado nos óculos para que possa ser acionado com o piscar de um olho.

Os recursos são limitados e lentos se comparados com o Smartnav3, é preciso ter paciência para escrever.

Desde que perdi a fala no final de 2006 passei a me comunicar utilizando um quadro com o alfabeto dividido em linhas e colunas, o qual minha amada filha Carol e eu já memorizamos, e enquanto ela fala vou escolhendo as letras com o piscar dos olhos, formando palavras, frases e textos, sempre com muita calma. Além disso, combinamos vários sinais e com o movimento dos olhos, vou sinalizando o que eu quero, e assim nos comunicamos pelo olhar e pelo coração, numa sintonia perfeita só possível através do amor.

O que me ajuda muito a superar as adversidades é o fato de que aqui em casa a expressão "seria cômico se não fosse trágico" sempre nos impulsiona a valorizar o lado cômico das mais diversas situações que a ELA nos impõe.

E com a perda já bastante acentuada do movimento das pálpebras não poderia ser diferente, pois o fato de eu muitas vezes me atrapalhar (ou circuitar) ao piscar, faz com que frequentemente responda "sim" ao invés de "não" ou "não" ao invés de "sim", e pronto, a confusão está armada e tudo acaba em boas risadas, mas às vezes também acaba em fumaça...hehehe...

Agora estou aguardando com grande expectativa a chegada de um aparelho que compramos, o "Interface Cérebro – computador", através do qual poderei mexer no computador usando apenas a força do pensamento.

Não será necessário movimentar um único membro ou músculo do corpo, o que para mim é uma luz no fim de um túnel escuro e silencioso onde estou prestes a mergulhar, pois com a perda total dos já comprometidos movimentos das pálpebras e globo ocular, cessará toda e qualquer comunicação minha com o mundo exterior.

É a esperança batendo forte no meu coração!!!

É fácil? Não é nada fácil. Também tenho meus momentos difíceis, momentos tristes, momentos de dor, momentos de saudades de um futuro que eu não vivi.

É indescritível o sentimento gerado pela perda irreversível da força de músculo após músculo, de membro após membro.

Mas como consigo manter esta aceitação positiva em relação às minhas limitações?..., como nunca me pergunto "porque eu"...?, como não me revolto?..., como consigo ser tão serena e feliz?... Logo eu, que sempre fui muito ativa, independente, dinâmica, ansiosa em tentar resolver sempre tudo no seu tempo, de forma justa e correta.

Daí vem como resposta uma estranha certeza de que eu sempre soube que seria dessa forma, que tudo isso tem sua razão de ser e que devo encarar esta fase da minha vida como um trecho de estrada ainda não pavimentada, mas que é o único caminho para que eu chegue ao meu destino. E minha Fé é a luz que me guia...

Mas como eu consigo superar meus medos e dificuldades? Ah..., é um conjunto de sentimentos que durante toda minha vida me ajudaram a enxergar sempre um lado positivo mesmo nas situações mais adversas, o que sempre me impulsionou a seguir em frente com otimismo. Outro fator que me ajuda muito é não ficar lamentando o que tive que deixar de fazer por causa da ELA, mas sim, tento reconhecer e valorizar tantas novas descobertas que cada estágio da evolução das minhas limitações me levou a desenvolver.

Aprendi a reinventar a vida a cada novo dia e posso até afirmar que hoje faço na doença muitas coisas que sempre sonhei fazer, mas para as quais na saúde nunca encontrava tempo. Descobri em mim uma força e uma capacidade de adaptação e superação surpreendentes.

Além disso, me mantenho ocupada o tempo todo, sou a 'agenda' da casa, lembro a todos sobre tudo, oriento na organização, sugiro cardápio, dou minhas broncas quando meus anjos não se cuidam ou não se alimentam direito, ajudo nas compras, acompanho a minha filha Carol nos estudos, oriento, educo e curto minha família, enfim, fico 'ligada' em tudo e tento me manter sempre alegre e disposta, pois quando se vive com fé, esperança e amor no coração, Deus nos guia pelo caminho da paz e serenidade, dando-nos forças para superar com dignidade os obstáculos da vida.

Mas, acima de tudo e de todos, eu busco forças em mim mesma, pois a ELA é uma doença muito solitária, que vai aprisionando lentamente uma alma lúcida num corpo inerte, sem um único movimento, o que me leva a viver num mundo muito pessoal, só meu, onde eu sonho, realizo e aprendo. É preciso ter uma estrutura emocional muito equilibrada para manter a serenidade e sanidade mental e não entrar numa depressão profunda.

Apesar da dificuldade para responder, para mim sempre é uma alegria muito grande receber as mensagens de amigos, de portadores de ELA e familiares, pois penso que compartilhar experiências conforta e torna a caminhada menos solitária.

E a cada novo portador que conheço, repete-se a sensação de reencontrar um amigo de muito tempo, de uma vida toda, pois a empatia e afinidade são imediatas.

É uma identificação de sentimentos muito grande, pois a cada dia mais tenho a sensação de que nós portadores de ELA falamos e sentimos uma linguagem tão nossa e sentimentos muitas vezes incompreensíveis mesmo para quem está muito próximo de nós.

E a reação dos antigos amigos? Bem, conforme a ELA foi evoluindo, alguns foram se afastando, outros até sumiram completamente depois que parei de falar e perdi os movimentos, mas os poucos que se mantiveram presentes na minha vida me enchem de carinho e alegria.

Penso que os que se afastaram talvez não tenham entendido a nova rotina da nossa casa, onde vários procedimentos diários nos obrigam a seguir uma programação bastante rigorosa, com horários bem definidos, inclusive para meu repouso. Eu também já não podia mais 'fazer a social', recebê-los como antes, visitá-los, telefonar ou escrever e aparentemente eu não tinha mais nada para oferecer, apesar de me sentir mais rica espiritualmente e com meus valores renovados a cada novo dia.

Talvez para alguns tenha faltado estrutura emocional para acompanhar a evolução das minhas limitações, enquanto outros a vida fez seguir por caminhos distantes do meu.

No início estranhei, sofri e chorei, mas hoje já não mais questiono, me surpreendo ou decepciono com este tipo de atitude, afinal, a vida é cheia de idas e vindas, e cabe a cada um agir de acordo com sua consciência, entendimento e prioridades.

Além disso, no meu caso, felizmente as 'vindas' superaram em muito as 'idas', pois nestes meus quase 9 anos com ELA, conheci e reencontrei muitas pessoas especiais e queridas, que falam a mesma linguagem que eu, se fazendo presentes sempre, apoiando e confortando, seja pessoalmente ou virtualmente, através de carinhosas palavras. Aprendi a não lamentar as perdas, mas sim, a valorizar os ganhos.

Portanto, aprendi a não sofrer por saudades, pois o que importa são as recordações que guardo no meu coração, afinal, momentos passam, mas as lembranças são eternas.

Sou muito feliz, apesar da ELA, pois a doença me proporcionou uma oportunidade única de evolução e, além de ajudar a identificar melhor a minha missão, modificar a minha vida e meus valores, irradiou uma onda de positividade e força para o ambiente ao meu redor, e poder lançar sementinhas de otimismo no coração das pessoas é muito gratificante. Minha força, que vem da Fé, família, amigos queridos e de tantas palavras de apoio que recebo, é o que me incentiva a querer transmitir para todos a minha valiosa lição de vida.

Agradeço a Deus todos os dias por ainda conseguir me comunicar piscando e assim poder manifestar meus pensamentos e expressar minha alegria com um sorriso.

Apesar de ainda não existir tratamento medicamentoso para a ELA, eu tenho o melhor remédio que existe para qualquer doença, que é muita FÉ e AMOR... Tenho ao meu lado o meu amado marido Afonso, que há mais de 8 anos abriu mão de seus projetos e sonhos para se dedicar a uma luta pela vida, pela minha vida, pela minha segurança, pelo meu bem-estar, pela minha dignidade como ser humano e pela minha felicidade apesar das limitações, numa demonstração emocionante do verdadeiro amor incondicional.

Ele é meu anjo protetor que tanto amo, admiro e respeito e que faz cada dia valer a pena, pois nunca me tratou como portadora de uma patologia agressiva e sem cura e o sentimento "pena" não tem espaço na nossa vida. Sempre extremamente cuidadoso, me estimula a lutar e reagir conforme as limitações vão aumentando.

Temos a nossa amada filha Carol, que é a luz da minha vida, um anjo que Deus nos enviou disfarçado de filha e que veio com a missão de iluminar o nosso caminho pela estrada da vida.

Ela é uma filha amiga e companheira, aliás, é minha melhor amiga, dedicada, carinhosa, com uma alegria contagiante e sapeca e traz no seu coração um amor muito grande pela vida e pela família, o que a torna tão especial.

Enfim, eles são meus admiráveis e adorados anjos que estão sempre ao meu lado, incansáveis em me proporcionar conforto, segurança e muita alegria, transformando tudo em festa e brincadeira.

Eles são minhas pernas e me ajudam a seguir em frente na minha caminhada, são meus braços e me ajudam a envolver meus sonhos e afagar o mundo, são o meu combustível e me impulsionam sempre pra frente, são a minha voz e transmitem meus sentimentos, são os meus pulmões e me ajudam a respirar e viver, enfim, são "vida em minha vida".

Tenho o amor dos meus amados pais, da minha irmã e cunhado, sobrinhas e sobrinhos, e da minha sogra, que mesmo morando longe, sempre me transmite seu carinho, e vivo a emoção de ser vovó de um lindo anjinho de 3 anos, o Vitor, filho da nossa amada Marcela, que mesmo distantes, moram no meu coração.

Também tenho o carinho, apoio e conforto espiritual de amigos especiais que me fortificam através de correntes de orações, sendo que muitos deles eu conheço apenas virtualmente, e guardo no coração as doces lembranças das crianças do nosso Projeto Vida Tri-Legal.

Além disso, conto com o acompanhamento de competentes e atenciosos médicos, sempre preocupados com meu bem-estar, com os carinhosos cuidados diários dos meus queridos anjos do Home Care, com o apoio de uma dedicada equipe multidisciplinar e de profissionais do hospital Unimed Vale do Caí.

E todo esse carinho e apoio que eu e minha família recebemos, inclusive de inúmeras pessoas que nem fazem parte do nosso convívio, mas que ajudam de forma indireta, me dão muita segurança e motivação, permitindo que eu viva cada momento de forma plena, pois a vida é uma oportunidade única de aprendizado, crescimento pessoal e evolução espiritual e cabe a cada um identificar a sua verdadeira missão.

Muito obrigada de coração a todos que estão ao meu lado nesta caminhada.

Devemos sempre criar situações favoráveis para que a Providência Divina possa agir!!!

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